terça-feira, 2 de junho de 2009

Castigo até a terceira e quarta geração?

Os textos do Antigo Testamento que parecem afirmar a punição do pecado dos pais sobre os seus descendentes, representam a fase mais antiga da mentalidade de Israel, mentalidade à qual a pedagogia divina se quis adaptar a fim de educar o povo rude. Com o tempo, tal mentalidade foi corrigida em favor da afirmação da responsabilidade pessoal.
Há quem afirme que Deus castiga o pecado de alguém na sua descendência, ou seja, até a terceira e a quarta geração. Para tanto, baseiam-se em Ex 20,5s; Dt 5,9s; Nm 14,18s.
Em conseqüência, há pessoas que julgam estar sofrendo `maldições` por causa de faltas cometidas por seus antepassados. Sem dúvida, tal modo de pensar gera insegurança e aflição, pois quem sofre pode supor crimes fantasiosos cometidos pelos pais, avós e bisavós..., crimes que lhe acarretarão tormentos imprevisíveis. Diante dessa interpretação de textos bíblicos, procuremos examinar exatamente o que diz a Escritura a respeito do assunto.
1. A MENTALIDADE DO CLÃ NA ANTIGUIDADE
Os antigos povos extra-bíblicos e o próprio povo de Israel (nos inícios de sua história) não tinham conceito claro de pessoa. Por isso também não valorizavam os indivíduos de um grupo como indivíduos. Por conseguinte, o sujeito portador de responsabilidade moral não era a pessoa singular, mas o grupo ou o clã a que pretendia. O bem e o mal que cada indivíduo praticava, acarretava a respectiva sanção para todo o povo. Esta mentalidade se exprimiu, por exemplo, no caso de Abraão, que intercedeu por Sodoma: o Patriarca não pediu a Deus que poupasse os justos da cidade, mas, sim, que poupasse a cidade em vista dos justos nela existentes; Gn 18,22s
2. A RESPONSABILIDADE PESSOAL
Com o tempo, o imperfeito modo de pensar foi sendo corrigido por obra dos autores sagrados. Na verdade, podia favorecer a hipocrisia: as pessoas antigas por algum mal atribuíam-no ao pecado dos antepassados, e se isentavam de fazer penitência, julgando-se vítimas de culpas alheias e não rés de culpas próprias. Foi o que se deu por ocasião do exílio de Israel na Babilônia (587-538 a.C.): os judeus deportados alegavam estar carregando as duras conseqüências dos pecados das gerações anteriores, em vez de reconhecerem devidamente as suas infidelidades.
Ora contra tal atitude insurgiu-se, em nome do Senhor, o profeta Ezequiel: `A palavra do Senhor me foi dirigida nestes termos: Que vem a ser este provérbio que vós usais na terra de Israel: Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos ficaram embotados`?
Por minha vida, oráculo do Senhor, não repetireis jamais este provérbio em Israel... Aquele que pescar, esse morrerá... Mas, se o ímpio se converter de todos os pecados que cometeu e passar a guardar os meus estatutos e a praticar o direito e a justiça, certamente viverá; ele não morrerá. Nenhum dos crimes que praticou, será lembrado. Viverá como resultado da justiça que passou a praticar (Ez 18,1-4.21s).
O profeta Jeremias, que acompanhou os judeus por ocasião da guerra de Nabucodonosor contra Jerusalém, dizia a mesma coisa: Nesses dias já não se dirá: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos ficaram embotados. Mas cada um morrerá por sua própria falta. Todo homem que tenha comido uvas verdes, terá seus dentes embotados.
Estes textos valorizam devidamente a pessoa e a responsabilidade individual, mostrando que cada um colhe o que semeou. Pode alguém ser descendente de grandes pecadores; isto não afeta o seu relacionamento com deus; receberá a sorte correlativa à sua conduta pessoal. A pedagogia divina, tão característica do Antigo Testamento, quis adaptar-se ao modo de pensar e falar dos educadores antigos, chamando a atenção para a responsabilidade coletiva ou para a solidariedade que existe naturalmente entre os membros de um clã. Este linguajar podia calar fundo na mente dos israelitas mais antigos; todavia foi sendo substituído por um tipo de discurso mais elevado e condizente com a mentalidade mais aprimorada do povo de Israel `adulto`. É assim que a Bíblia de Jerusalém formula a nova concepção: A salvação de um homem ou a sua perda não depende dos seus antepassados, nem dos seus próximos nem se quer do seu próprio passado. Só as disposições atuais do coração entram em linha de conta diante de lahweh`.

Conclusão: Pode-se crer que estas considerações sejam aptas os mal-entendidos ocorrentes em certos grupos católicos; valem-se de Ex 20,5s e Dt 5,9s, esquecendo que tais textos representam uma fase ultrapassada do pensamento de Israel; por isto não podem ser tomadas como paradigmas, mas devem ceder às afirmações de Ez 18,2; Jr 31,29, que realçam a responsabilidade individual.

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