quinta-feira, 11 de abril de 2013

Poema


Separação
(Affonso Romano de Sant’Anna)

Desmontar a casa e o amor. Despregar os sentimentos das paredes e lençóis. Recolher as cortinas
após a tempestade das conversas. O amor não resistiu às balas, pragas, flores e corpos de intermeio.

Empilhar livros, quadros, discos e remorsos. Esperar o infernal juizo final do desamor.

Vizinhos se assustam de manhã ante os destroços junto à porta: -pareciam se amar tanto!

Houve um tempo: uma casa de campo, fotos em Veneza, um tempo em que sorridente o amor aglutinava festas e jantares.

Amou-se um certo modo de despir-se de pentear-se. Amou-se um sorriso e um certo modo de botar a mesa. Amou-se um certo modo de amar.

No entanto, o amor bate em retirada com suas roupas amassadas, tropas de insultos malas desesperadas, soluços embargados.

Faltou amor no amor? Gastou-se o amor no amor? Fartou-se o amor?

No quarto dos filhos outra derrota à vista: bonecos e brinquedos pendem numa colagem de afetos natimortos.

O amor ruiu e tem pressa de ir embora envergonhado.

Erguerá outra casa, o amor? Escolherá objetos, morará na praia? Viajará na neve e na neblina?

Tonto, perplexo, sem rumo um corpo sai porta afora com pedaços de passado na cabeça e um impreciso futuro. No peito o coração pesa mais que uma mala de chumbo.

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