Separação
(Affonso Romano de Sant’Anna)
Desmontar a casa e o amor. Despregar os sentimentos das paredes e lençóis. Recolher as cortinas
após a tempestade das conversas. O amor não resistiu às balas, pragas, flores e corpos de intermeio.
Empilhar livros, quadros, discos e remorsos. Esperar o infernal juizo final do desamor.
Vizinhos se assustam de manhã ante os destroços junto à porta: -pareciam se amar tanto!
Houve um tempo: uma casa de campo, fotos em Veneza, um tempo em que sorridente o amor aglutinava festas e jantares.
Amou-se um certo modo de despir-se de pentear-se. Amou-se um sorriso e um certo modo de botar a mesa. Amou-se um certo modo de amar.
No entanto, o amor bate em retirada com suas roupas amassadas, tropas de insultos malas desesperadas, soluços embargados.
Faltou amor no amor? Gastou-se o amor no amor? Fartou-se o amor?
No quarto dos filhos outra derrota à vista: bonecos e brinquedos pendem numa colagem de afetos natimortos.
O amor ruiu e tem pressa de ir embora envergonhado.
Erguerá outra casa, o amor? Escolherá objetos, morará na praia? Viajará na neve e na neblina?
Tonto, perplexo, sem rumo um corpo sai porta afora com pedaços de passado na cabeça e um impreciso futuro. No peito o coração pesa mais que uma mala de chumbo.
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